Nesta "collage" (muito antiga, de resto) pretendi evocar (ou, pelo menos, penso que pretendi: é sempre muito difícil explicar a nós próprios as nossas intenções nestas matérias...) menos uma obra homónima de Malaparte do que o filme (horrível!) que Liliana Cavani dele retirou.
Pessoalmente, devo dizer que dificilmente resisto a um filme "horrível". "Horrível", é bom esclarecer, no sentido exacto em que muitos Ferrerris, inúmeros 'Pasolinis' (a Trigologia do Prazer constituiu, como se sabe, uma esplendorosa excepção) ou a maioria dos Cavanis o são.
Sou mesmo levado, com frequência, a pensar que o grande contributo do cinema europeu para o património cinematográfico universal é a inteligência---sendo que o "horrível" visto por Pasolini, Murnau, Lang ou Ferreri constitui, de facto, uma forma particularmente evocativa e, sobretudo, intelectual (ou até mesmmo civilizacionalmente) estimulante de revelar inteligência.
O cinema (a indústria) norte-americana não sabe, decididamente, ser horrível nem compreende as potencialidades críticas e civilizacionais/civilizadoras do horrível.
Claro que, nos E.U.A. existem autores (como Carpenter, desde logo ou Tobe Hooper e Frank Marshall, entre diversos outros) que perceberam já, há muito, que com o horror se pode, de facto, a partir de uma lúcida atitude tão "off mainstream" e contra-cultural quanto industrialmente possível, organizar um discurso respeitavelmente crítico sobre o real, designadamente sobre inúmeros aspectos (ou taras?) associados à deprimente felicidade característica da "Suburbânia", a maior cidade do mundo, como é sabido.
Mas não é ainda o "horrível" 'à europeia'. Eu diria que são precisos séculos (talvez milénios) de verdadeira Cultura para se poder aspirar a sê-lo com a aguda e fértil, com a fecunda, consciência não apenas de sê-lo como, além disso e talvez sobretudo, das coisas importantíssimas que se podem pensar e dizer sendo-o com verdadeira arte e genuina consciência.
Há, por outro lado, especificamente neste "collage" (falando, agora, especificamente dele), a referência clara a uma autêntica 'obsessão' minha centrada no conflito entre o indivíduo, o corpo (como arquétipo e modelo/representação de todas as máquinas e súmula de "todas" as dinamias possíveis) e a máquina, enquanto disposityivo invasor destinado a roubar o lugar central, determinante, do indivíduo no habitat natural deste que é própria realidade.
A realidade como prática e experiência---como veículo electivo da essencial re/construção de si, seguramente.
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