domingo, 13 de abril de 2008

"Bal Musette"

Sou daqueles que ainda tiveram a oportunidade de conhecer um Paris que já se extinguiu definitivamente: o Paris de René Clair, de Jean Renoir, de Jacques Prévert, Leo Ferré e por aí fora. O Paris d' "O Meu Tio" que era o que "continha" os parisienses de Bellus e Sempé ou Kiraz. O Paris dos "impasses" (chegámos, aliás, a Hermínia e eu, a morar durante um curtíssimo período de tempo no Impase Dombasle, antes de partitmos para a Bélgica ) e (pasmem quantos pensam que Paris é só a Torre Eiffel e o Arco do Triunfo!) dos pátios, das "fêtes foraines" e das vilas operárias, (quase?) exactamente iguais às lisboetas.



O Paris que se terá mantido, no essencial (ao menos, simbólica ou simbologicamente reconhecível) de Villon e da "Cour des Miracles", a Hugo, Dumas, Zola, Carco ao tempo das tabernas com balcão de zinco.


Um Paris que era uma espécie de "Alto do Pina de luxo" mas que, na década de '70 do século passado já só existia residualmente.


Em Montparnasse onde também vivemos uns tempos já só se viam ruínas como as que Tati reconstruíu para o seu prodigioso "Mon Oncle".

A figura a preto-e-branco (destacada de uma bela fotografia de Gérard Castello Branco) simboliza aqui a minha própria pessoa quando tentava reencontrar-se com esse velho Paris-Piaf e descobriu que dele já restavam apenas imagens impressas ou pintadas.


Tentando, ainda assim, penetrar no seu Paris das memórias e dos sonhos é por uma dessas imagens pintadas duramente repelido e projectado para trás...
(Preocupei-me em sublinhar a sugestão da incomunicabilidade ou da polipolaridade, da policentralidade, entre as duas "folhas témicas", digamos assim, do 'texto': as "duas burguesias" em presença, os olhares em direcções opostas, embora haja um frente-a-frente corporal, o preto-e-branco exprimindo a ruptura temporal mas também, cultural, etc., numa palavra, o diálogo impossível com a memória.
A ideia é: o passado não volta, em caso algum, a não ser sob a forma de um desperado, completamente estéril e vão, desejo).

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